sexta-feira, 8 de junho de 2012

Papai mestre-cuca

Quando minha mãe terminou sua faculdade de enfermagem e arrumou seu emprego no hospital local, meu pai aprendeu a cozinhar, o que achei incrível para uma pessoa que mal sabia fritar um ovo. E ele até que cozinha direitinho. O problema é que deixou a modéstia no passado:
 - Não é brincadeira, não. Sou o melhor chef de cozinha que eu conheço - disse, ridículo hoje (08/06/12), dia em que convocou os filhos, (Jullie, Edson, Ana Julia e Eu) vovó Dalva e minha mãe querida para um jantar, feito por ele mesmo, repito, feito por ele mesmo. - Não vai ser qualquer jantar, vai ser o melhor jantar da vida de vocês.
 - Filho meu tinha que cozinhar bem. Eu sou um espetáculo na cozinha - comentou minha avó, mostrando de quem meu pai tinha herdado a autoconfiança. - O meu filhinho é naturalmente talentoso. É de berço.
 - Filhinho, dona Dalva? Carlos não tem nada de diminutivo, está com uma pança gigante que parece que está no sétimo mês de gestação - implicou minha mãe.
 - Mas a mulherada não reclama - retrucou meu pai.
 - Claro, a mulherada tá desesperada, doida pra desencalhar, não importa com quem, desde que tenha dente - chicoteou minha mãe.
 UAU! Aquilo é que era língua ferina!
 - Meu amor, tá sensacional essa conversa, mas vamos continuá-la na mesa, por favor, porque vou começar a servir o melhor jantar do mundo - pediu meu pai, humilde.
 Fomos para a mesa e o assunto havia morrido, para o alívio de todos.
 - Olha o arroz com brócolis! - anunciou o chef.
 - Eu odeio brócolis, pai.
 -  Deixa de ser fresca Juliana. Mas se não quiser não come, tem muitos pratos ainda.
 - Isso, meu filho. Fartura é o que importa! - comemorou vovó.
 - Moqueca de camarã, pessoal!
 - Eca! Eu sou alérgica a camarão, pai. - reclamou Ana Julia.
 - Pai, você conhece pelo menos um pouquinho os seus filhos? - impliquei.
 - Conheço e sei que são todos chatos. Agora, preparem-se, para finalizar ... Lombinho de porco a moda Carlos Magno. Bon apetit!
 - Só isso, Carlos? Só isso que você fez? Não tem uma carne assada, uma farofa, um estrogonofe, um franguinho grelhado, uma lasanha, um bife acebolado ... nada? Um pastelzinho de entrada, um croquete, uma linguiça, um carpaccio? As crianças vão morrer de fome com essa escassez de comida - resmungou minha avó.
 - Eu vou morrer de fome porque não tem nada que eu goste aqui - reclamou Edson.
 - Amor, você não conhece a familia que tem mesmo, né ? Mas ja que não querem comer, eu como por todo mundo - avisou mamãe.
 - Depois não sabe por que é que está gorda.
 - Eu não estou gorda, dona Dalva, estou apenas um pouco acima do peso.
 - Então: Gorda - sim, a vovó implica com minha mãe até hoje, desde que ela tinha 13 anos de idade, sogras!
 Mamãe engoliu em seco antes de dar a primeira garfada.
 - Amor, isso é sal puro! - chiou, levantando-se e correndo para a cozinha, para beber um litro d'água.
 - Meu filho, está terrível. Além de estar com cheiro de chulé!
 - Tá tão ruin assim? - quis conferir meu pai.
 - Tá péssimo! - opinei.
 - Pô, pai. Achei que você sabia cozinhar - rosnou Edson. - Tem Miojo?
 - Não estou entendendo ... Eu fiz com tanto carinho ...
 - Carinho não é tempero, amor - comentou minha mãe.
 - Vou fazer macarrão pra todo mundo. - Levantou-se minha avó.
 - Não tem macarrão.
 - Arroz?
 - Acabou. Nós só iremos fazer compras amanhã.
 Terminamos o dia comendo ovos fritos que a vovó Dalva fez. Papai com a cara decepcionada, vovó com a cara esticada, nós com cara de tacho e mamãe com uma cara bem alegrinha. Ela adorou ver que, naquele dia, papai foi uma negação na cozinha.
 - Espero que tenham aprendido com o erro do seu pai, crianças.
 - Qual deles? - provocou Ana Julia.
 - Modéstia e humildade são características importantíssimas num ser humano. Sem elas, o tombo da gente pode ser bem maior - disse magnânima.
 Tadinho do papai. Ele havia se esforçado, feito com amor, comprado os produtos da melhor qualidade ... Ele merecia uma segunda chance. Estava prestes a dizer que não estava tão ruim assim e que, se ele quisesse, deixaríamos ele fazer a janta na noite seguinte, quando ...
 - Vocês são tudo um bando de sem paladar. Não sabem a preciar o valor de uma cozinha autoral. Não têm categoria para comer minha comida cinco estrelas.
 Eu e meus irmãos nos olhamos e em uma fração de segundo decidimos o que devíamos fazer: ir para a RioSul nos encher de carboidratos. Andamos rumo à porta e o deixamos falando sozinho. Ah! Ele mereceu.



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